Meu primeiro Rally! Uma aventura

Era início de 2003 e recebi uma ligação telefônica do meu filho Pedro pedindo meu bugry emprestado para participar de um passeio de carros que aconteceria naquele domingo. Como sei que ele não é muito bom na direção, pois além de dirigir com o volante colado no corpo é muito desatento e tem o hábito de mudar a direção dos carros muito rapidamente, pedi mais informações sobre o evento.

Dessa forma após varias ligações dele para alguns amigos, os verdadeiros interessados, descobri que muitos carros participariam, o que configurava naquele momento para mim uma espécie de rally.

Com mais algumas perguntas descobri ainda que se tratava de um programa organizado por uma instituição religiosa que os amigos dele participavam e eu era o único que tinha um carro que poderia servir, (ou descartar?) considerando que era meu segundo carro e só usava para fazer trilha. Acho que nunca saberei!!….

O bugry estava bem robusto, pois pouco tempo antes havia feito uma série de modificações que aumentaram a segurança do carrinho tornando-o apto a suportar algumas aventuras de forma mais segura. Entre elas, corrigi o maior problema de todos os bugres que é um terrível desnível na altura entre a dianteira, muito baixa, e a traseira, muito alta, causando instabilidade e aquela sensação do carro lamber o chão. Isso em entradas rápidas em poças de água é um verdadeiro pesadelo, pois espalha aquela espuma toda no pára-brisa deixando o piloto totalmente cego por alguns segundos, ou minutos, se tiver um pouco de lama. Lembrem-se que o limpador do bugre é pequeno e simplesmente não limpa a contento quando exigido.

Nas modificações mecânicas, aumentei o curso dos amortecedores em uns 5 centímetros, impedindo aquela inconveniência de cepar quando as ondulações são muito altas e em sequência fazendo o carro pular e sair do chão provocando um barulho feio quando os amortecedores chegam ao extremo e a cinta de proteção tem que atuar.

Algumas outras modificações foram feitas, mais voltadas ao conforto, como bancos dianteiros de carro normal em substituição aqueles bancos duros de plástico, motivos de muitas assaduras após longas horas de uso, e um teto de fibra de vidro com opção para bagageiro.

Em todas estas alterações que eram muito prazerosas para mim, costumava comentar entusiasmado para meu filho e dizer que agora sim, o bugry estava pronto para qualquer aventura. Com tanta propaganda, fui pego de surpresa e teria que justificar tanta bravata.

Preciso aprender a me gabar menos, pois um dia isso acontece com todos, ter que provar nosso entusiasmo.

Sem querer cortar o barato dele e contente pelo interesse dele, mesmo sabendo do grande risco que seria para ele e seus amigos, devido à quase nenhuma habilidade dele, respondi que não só deixaria o carro participar, como eu iria pilotando e ele de navegador.

Confesso que fiquei um pouco chateado com a cara de resignação dele com a notícia, mas afinal acabou aceitando, começando assim meu primeiro rally, cheio de surpresas pela frente, sendo a primeira que a largada seria logo no dia seguinte às 6h da manhã.

Logo na chegada no local do encontro, fiquei assustado com a quantidade de carros 4X4 cheio de adesivos, e senti-me um verdadeiro estranho no ninho com a sensação que não teria a menor chance com aquelas máquinas possantes que pareciam feras querendo devorar meu bugry.

Para completar, apareceu uma pessoa da comissão organizadora com uns adesivos e a maior planilha de rally que vi na minha vida com todos aqueles símbolos que mais pareciam hieroglíficos pedindo para aferir os cronômetros.

– Ué, precisa disso também? Perguntei olhando para meu filho que estava mais espantado que eu.

– Xii pai, pensei que era só um passeio! Vou procurar meus amigos para perguntar.

Nem precisou sair do carro, pois os outros 2, eu disse 2, amigos chegaram correndo e disseram que também iriam, todos no bugre começando a subir atrás.

Neste momento disse espantado – Peraí!!! Vocês querem que eu participe deste rally que nem sabia, com essas feras todas aí olhando e já gozando da nossa cara e ainda por cima sem saber ler a planilha, e pior ainda, com 3 pessoas no meu bugry? Tô fora!!! Vocês são loucos!!!

Os três começaram a falar ao mesmo tempo tentando me convencer a participar, que eu não entendia nada do que falavam tamanha a quantidade de palavras e argumentos diferentes que emitiam, e a única coisa que compreendia era o Pô tio!! e Pô Pai!!

Pra completar a zorra, tanto o fiscal como outros pilotos aproximaram-se e ficaram se divertindo com aquela situação e tive que usar novamente o Peraí!!! Não to entendendo nada, fala um de cada vez!!

Com um pouco de ordem, um deles disse que tinha trazido um cronômetro, e que já tinha pedido uma explicação ao tio que estava em outro carro sobre o que significavam aqueles símbolos da planilha.

O outro imediatamente informou que o relógio dele também tinha cronômetro e que iria marcar o tempo caso o outro desse problema. Ainda um deles disse – “Tio, se o senhor não quer ir deixa que o Pedro vá dirigindo!”

De pronto respondi. – O que? nem pensar!!! O Pedro nunca dirigiu um Bugry, muito menos em competição, você teve uma aula de três minutos sobre este monte de símbolos, tem um cronômetro que não sabe usar e ainda por cima tem estes carros gigantes para estraçalhar com a gente!!! Vocês sabem onde estão se metendo?? Pessoal, nosso carro nem tem onde colocar este monte de adesivo!!!

Neste momento, o fiscal que estava achando divertida aquela discussão aproximou-se e disse que poderia participar, pois era apenas uma simulação de um rally e não tinha validade oficial, mesmo seguindo todos os procedimentos de um verdadeiro, mas mesmo assim teria pontuação e colocação final.

Enquanto ouvia o fiscal, pude olhar para os outros pilotos que observavam se divertindo e confesso que aquilo mexeu um pouco comigo e perguntei se tinha tempo para umas explicações adicionais para ver se daria para participar, quando fui informado que a partida seria dali a 40 minutos para o primeiro carro e que nós seriamos o ultimo a sair dali a 64 minutos.

Vocês precisavam ver a cara dos três malucos esperando minha decisão…foi engraçado!! E todos gritaram valeu!!! Quando eu disse que estava ficando tão maluco como eles e iríamos participar.

Cá entre nós, desde o dia anterior já estava excitado com a ideia de participar do passeio, só não imaginava que seria um rally e com tanta gente dentro do carro.

Em 10 minutos o fiscal voltou e começou uma aula recorde de como ler a planilha explicando alguns símbolos e mostrando os controles do cronômetro que também estão na linhas assim como a velocidade que devemos desenvolver em cada trecho.

Terminadas as instruções, tive a certeza que seria muito interessante nossa participação, cheguei até a rir da situação, pois com um cronômetro apenas e o hodômetro do bugry que mal dava para ler e ainda por cima não marcava nem os metros apenas os quilômetros, no mínimo nos perderíamos muitas vezes.

Chamei todos e explicando a situação dividi a equipe. O Pedro ficaria na frente com o cronômetro, o que tinha sido treinado pelo tio minutos antes, ficaria no banco detrás com a planilha e o outro como apoio, também marcando o tempo caso o outro pifasse.

Acredito que esta tenha sido a primeira equipe com três navegadores na historia dos rallys.

Ah!! Logo a seguir passamos a colar os adesivos nos lugares possíveis do carro, que com certeza ficou bem engraçado, pois só dava para ver metade dos nomes na maioria dos adesivos.

Mesmo assim, fomos lá para a largada com a adrenalina a mil, pois além da emoção de participar de um rally, jamais pensei que começaria daquela maneira. Mas a adrenalina da competição e estar proporcionando aquela emoção ao meu filho e aos amigos dele, deu-me ânimo e decisão que teria bastante cuidado com percurso.

Chegada nossa vez, paramos no ponto de partida para zerar os cronômetros e dar a largada e nossos problemas começaram juntamente com a largada.

Logo de inicio, quando partimos o Pedro descobriu que não sabia como zerar o cronômetro e o de apoio esqueceu de zerar o relógio. Mesmo assim partimos e gritei para descobrirem logo como zerar, pedindo ao navegador da planilha para fazer a navegação pelas referências e dizer as distancias marcadas na planilha para cada referência.

Três minutos depois o segundo cronometrista (o do relógio) avisou que tinha iniciado sua contagem e pouco depois o Pedro informou que conseguira iniciar o seu, ou seja, estávamos com duas cronometragens diferentes em 5 minutos uma da outra e as duas 3 minutos atrasadas em relação à nossa largada. Aquilo estava ficando interessante.

Gritei para esquecerem esta fase e ficassem atentos para zerar no próximo ponto de marco zero, ou seja, as referências onde os cronômetros são zerados, e lá fomos nós pelo visual.

Os trechos eram fáceis e a maioria conseguimos fazer sem o controle da distância, “lembra do nosso hodômetro?” mesmo sem saber se a velocidade estava correta, afinal o que importava era estar participando e tentar chegar ao fim, sem importar a colocação, etc.

Após 2 horas de prova, começou a chover forte e formaram-se muitas poças que mais pareciam lagoas e a cada passagem um verdadeiro banho em todos, além de ficarmos totalmente sem visão devido à terra vermelha que impedia o limpador de funcionar adequadamente.

Não havia outra opção, tive que dirigir olhando pelo lado de fora do bugry a cada poça ultrapassada com a chuva no rosto junto com a lama. Ainda bem que os óculos que usava tinha uma proteção lateral e uma tira elástica que impedia que caísse.

Um pouco antes da primeira parada para reabastecimento, almoço, etc, perdemos uma referência e entramos para o lado errado, e só descobrimos o erro alguns quilômetros depois.

Essa com certeza foi a pior sensação que tive em minha vida, pois por mais que tentássemos não conseguíamos encontrar o ponto de retorno, onde erramos a referência e ficamos rodando a esmo feitos baratas tontas. Perdi a paciência pela primeira vez e gritei para o navegador da planilha.

– “Sobe no teto do carro e veja se enxerga outros carros ou escuta algum barulho!!” e quase imediatamente gritei – “não leva a planilha, pode molhar!!!”. Era tarde!!!

Já estava toda molhada, pelo menos a folha da vez e a seguinte. As coisas estavam saindo do controle!!

Para nossa sorte, avistamos um carro que estava passando em uma estrada ao lado da nossa e resolvemos segui-lo, por isso forcei a aceleração para alcançá-lo e o segui por alguns minutos, quando para nossa surpresa parou e deu ré.

Chegando ao nosso lado perguntou – “Ei, pessoal!!! Vocês sabem se estamos no caminho certo?”. Pronto, estávamos ambos perdidos!! E não achamos outra coisa a fazer a não ser dar boas risadas naquele momento e enquanto riamos pensando no que fazer, chegou outro competidor e pediu passagem.

Informamos que estávamos perdidos e íamos voltar até achar a ultima referência para então continuar e aí veio a surpresa que faltava!! Droga!!! Droga!!! Estávamos certos!! e não sabíamos. Aí sim, a gargalhada foi geral e lá fomos nós em fila indiana até os possantes 4X4 nós deixarem para trás e como estava chovendo foi só seguir as marcas deixadas recentemente por eles que foi fácil.

Em poucos minutos chagamos na Casa de Farinha, um restaurante onde os competidores fariam uma pausa para o almoço, afinal já completávamos 4 horas de corrida pela lama e dois 360º conseguidos não sem muito susto e medo da minha parte, pois havia sido negligente pondo em risco os passageiros do bugre cujos cintos traseiros não oferecem nenhuma segurança e poderiam ser gravemente feridos em caso de uma capotagem.

Quando estávamos chegando no restaurante, percebemos que grande parte dos competidores estava ao lado de fora dando-nos a impressão de aguardar nossa chegada, mesmo largando em último chegamos antes de vários carros que tinham ficado atolados ou perdidos, mas que logo chegariam.

Quando paramos, alguns se aproximaram e nos parabenizaram pela ousadia de enfrentar o frio e a lama em um bugre, e que estavam com uma ponta de inveja da nossa aventura, pois gostariam de estar tão melados de lama como nós, além de estarem admirados por termos chegado até aquele ponto na frente de outros com melhores carros.

Imaginem o que pensariam se soubessem que nossos cronômetros não estavam funcionando, o velocímetro e o hodômetro do carro há muito estavam encobertos pela lama e que vínhamos usando somente o único instrumento que tínhamos….o desconfiômetro!!

Sentimos naquele momento que nos tornamos o carro mascote do rally e pudemos entender que o espírito da competição une os participantes em uma corrente de amizade e zelo, onde cada um cuida dos outros como uma irmandade.

Naquele momento percebi que faria parte para sempre daquela confraria, onde competimos uns com os outros e que quanto maior o espírito da competição maior o respeito e a admiração entre todos.

Estávamos tão contentes por termos chegado que ficamos alguns minutos sentados no carro, e como havia parado de chover tiramos algumas fotos com aquele que se tornara o quinto componente da nossa equipe, o nosso bugry.

Imediatamente discutimos e o batizamos de “Dragão”, dado a sua força e resistência que tinha apresentado até aquele momento. É impressionante como a interdependência entre equipe e carro provoca uma situação de parceria e confiança mútua, é como se a simbiose existisse e fossemos todos componentes vivos de uma equipe.

Para o almoço não dava tempo de tomar banho ou trocar de roupa, apenas lavar as mãos e os rostos para podermos comer, pois nossos estômagos reclamavam há bastante tempo.

Dali a duas horas foi iniciada a relargada e lá fomos nós rumo a outra aventura. Pelo menos daquela vez, os cronômetros estavam sendo manipulados corretamente e pude fazer com eles uma estratégia de controle com base nas informações do nosso Hodômetro, agora lavado.

A chuva voltara e tornara tudo mais emocionante, afinal também dificultava para os outros carros. Em um certo momento, passamos por uma L200 que ficara atolada e ajudamos a retirar com uma corda prendida em nosso carro. Aquilo foi uma atitude de extremo prazer para nós, afinal um bugry rebocando uma L200, foi o máximo!!!

A partir daí o percurso final foi tranquilo, até uns 2km quando ao passar em uma poça nosso carro apagou pois havia molhado o distribuidor.

Imediatamente, gritei aos parceiros para descerem e tentassem empurrar o carro. Como não pegava desci e abri a tampa traseira tirando o distribuidor. Como não tinha como secá-lo tirei minha camisa e passei a enxugá-lo torcendo para que desse certo.

Para minha surpresa, a coisa deu certo e retomamos nossa aventura até faltando uns 800m para a chegada ao passa por outra poça ouvi um barulho de ferro quebrando e o carro puxando violentamente para um lado. A principio pensei que algum pedaço de madeira tinha prendido no carro dificultando a dirigibilidade.

Gritei para o Pedro. – “Desce e veja se tem algum galho preso e se tiver tire-o!!”.

Após uma breve verificação informou para nosso desespero que o carro estava torto e que o pneu traseiro estava encostando na carroceria, por isso a puxada para o lado.

Naquele instante alguns carros nos ultrapassaram e decidi ir até o fim pois faltavam apenas uns míseros metros e eu não iria fica ali parado. Assim tomei a decisão de mandar todos descerem e irem correndo ao lado do carro até a chegada final.

Imaginem a cara do fiscal quando chegamos em um carro andando torto e três navegadores correndo ao seu lado, deve der dado boas gargalhadas.

O final foi uma grande festa e acabamos sendo rebocados até o ponto de encontro nas Tapiocarias onde confraternizamos e recebemos de todos mais uma vez os parabéns pela ousadia.

Ah!! Ia esquecendo, ainda tiramos o oitavo lugar na geral…dá prá acreditar??

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